Não podíamos estar mais felizes com esta conversa com Vera Maia, um das fundadoras da Shaeco, um champô sólido que se vai impondo em Portugal e no mundo. A franqueza com que nos refere o consumismo que a movia, quando trabalhou na área da moda, até ao facto de mencionar que a marca surge de duas ambições pessoais, vender um produto online e melhorar a sua pegada ecológica desde que foi mãe.
Com um percurso profissional ligado ao digital, principalmente ecommerce, como surgiu a ideia de ligar um produto sustentável a esse universo?
Nos últimos anos, principalmente desde que fui mãe, procurei implementar alternativas mais sustentáveis no meu dia-a-dia. Desde recusar produtos em plástico ou que não terão utilização só por serem oferta, à utilização de sacos próprios nas compras, à redução do consumo (principalmente na aquisição de roupa, o que para mim seria impossível há uns anos dado que trabalhei no segmento da moda), entre outros. Durante este processo de procura por produtos alternativos, encontrei o champô sólido, mas depois de experimentar vários, nunca fiquei totalmente satisfeita com o resultado.
Por outro lado, sempre tive vontade de ter uma marca própria e de vender através dos canais digitais. No entanto, não queria que fosse apenas mais um produto que apelasse ao consumo; procurava algo que acrescentasse valor no mercado e que ajudasse os consumidores a fazerem pequenas mudanças no seu dia-a-dia, como aquelas que eu e a minha equipa temos vindo a fazer. Este foi sempre um projeto de equipa porque todos acreditamos na missão da Shaeco.
Qual foi o maior desafio para arrancar com o projeto?
Penso que o mais desafiante foi o desenvolvimento do produto. Queríamos um produto de qualidade premium, produzido em Portugal. Pesquisamos durante cerca de um ano até encontrarmos um parceiro muito próximo da nossa Sede, em Viana do Castelo. Depois tivemos de o “convencer” a desenvolver e alterar fórmulas, até chegarmos a uma que cumpria com os nossos requisitos. Por exemplo, sempre soubemos que o champô tinha de fazer a mesma espuma, após o contacto com água, que um champô “normal”, caso contrário, os clientes não estariam dispostos a trocar de champô. Fomos trocando várias ideias até chegarmos ao extrato de coco, que é o que permite ao One & Done ter a mesma performance que os outros champôs “tradicionais”, tanto em termos de espuma, como aroma e propriedades de limpeza.
Sendo um produto de produção industrial, como se chega aos fornecedores corretos?
Desde cedo optamos por uma produção industrial que nos garante um rigoroso controlo de qualidade do produto e elevada escalabilidade do negócio. Tivemos de investigar, pedir ajuda a pessoas conhecidas e outros parceiros de negócio, reunir e pedir amostras. Investigamos também muito os ingredientes, lemos tudo que seria possível ter acesso sobre o tema, para garantir que além dos ingredientes, escolhemos matérias-primas de fontes sustentáveis. Por outro lado, procuramos fornecedores certificados, com as devidas garantias de sustentabilidade das matérias-primas, assim como cumprimentos de não testar em animais, entre outras.
É cada vez mais fácil chegar a fornecedores que têm a sustentabilidade na sua proposta de valor, ou, por outro lado, ainda é um desafio?
Tem sido um maior desafio certificar a origem das matérias-primas do que chegar a fornecedores que se posicionam com a mesma proposta de valor. Felizmente, os parceiros com os quais trabalhamos, cumprem normas bastante rigorosas na produção e têm certificados neste âmbito.
Penso que no segmento dos cosméticos já existe uma grande preocupação em seguir processos produtivos sustentáveis, com menor desperdício de água, redução de plástico e colas, entre outros. No entanto, existirá sempre o problema de armazenamento de produtos líquidos em que o plástico é sempre a matéria-prima mais utilizada por ser leve no seu transporte e resistente. A longo prazo acredito que os fornecedores procurem alternativas ao plástico descartável, como embalagens recarregáveis, em vidro ou alumínio. Mas para isso, terá também de mudar toda a cadeia de valor e de distribuição.
Por outro lado, também desenvolvemos a Pebble, uma caixa de transporte que inclui desperdícios da indústria corticeira. Foi um dos pedidos que os clientes de champô sólido nos fizeram porque reconheciam a vantagem de um produto sólido em viagens de avião, por exemplo, mas não sabiam como o transportar. Quisemos aplicar o mesmo conceito do champô: um produto de elevada qualidade com a sustentabilidade em primeiro lugar, com matérias-primas resistentes e produzido em Portugal.
Ao nível do mercado, os consumidores já fazem pesquisa específica por produtos sustentáveis, ou quando se deparam com eles é que levam esse fator em consideração? E que tipo de consumidores são (main stream, ambientalistas, etc)?
Os consumidores começam a estar mais atentos e a procurar alternativas sustentáveis. A Shaeco procura mudar algumas mentalidades: não precisamos todos de ser ativistas ambientais para fazer alguma mudança no nosso dia-a-dia. E é a quem está a começar a sua mudança que pretendemos apelar com a entrega de um produto sustentável, mas com uma ótima performance.
Entre nós, comentamos muitas vezes que é muito importante analisar todos os fatores para avaliar um produto e a sua sustentabilidade: desde a proximidade geográfica do fornecedor, à sua produção, quais as matérias-primas escolhidas e qual a origem. Também é importante compreender o efeito que têm no meio ambiente. E, infelizmente, nem tudo o que é bio ou orgânico é melhor para o planeta porque obriga a exploração e transporte de recursos, os quais, nem sempre, são sustentáveis.
Têm um post que refere que o uso de um shampoo sólido Shaeco, pela quantidade de lavagens que permite, reduzirá de 15 para 1 viagem o transporte do shampoo. Para lá do controlo que têm no produto, sentem que a cadeia de valor já consegue acompanhar as preocupações da marca?
Esta é também uma das nossas maiores preocupações. O champô sólido contém, em média, menos 70% de água na sua produção. Como é compacto, permite também reduzir o transporte. Eu transportei 2.000 champôs no meu carro. Cerca de 27 caixas.
Cada champô One & Done equivale a cerca de 2-3 champôs de 250ml.
Se pensarmos bem, quando compramos champô líquido, estamos a adquirir água com um agente de limpeza. O que ocupa mais espaço no transporte e nas nossas casas é a embalagem de plástico, que até tentamos reciclar, mas nem sempre vai ter ao local correto.
No que diz respeito à cadeia de valor, infelizmente, não conseguimos controlar todo o processo. Mas confiamos nos nossos fornecedores porque partilham das mesmas preocupações que nós. Principalmente na origem das matérias-primas.
Numa entrevista anterior, referiram que o objetivo sempre foi a internacionalização, principalmente os EUA por serem um mercado mais maduro. Como tem sido a aceitação em Portugal? Sentem que já existe um mercado para produtos sustentáveis?
Felizmente temos sido muito bem recebidos no mercado nacional, o que demonstra a preocupação na mudança por parte dos clientes portugueses. Penso que outras empresas também já abriram esse caminho: seja a Pegada Verde, a Maria Granel e muitas outras lojas, online e offline, que estão a mudar mentalidade nos últimos 10 anos. Aprendemos imenso com eles!
Ainda temos um longo caminho a percorrer, mas não podemos ser fundamentalistas; devemos incentivar à mudança, dia após dia, em pequenas alterações no nosso comportamento. E não devemos sofrer de eco-ansiedade, ou seja, sentirmo-nos mal por não conseguirmos fazer já tudo bem. Desde que façamos uma mudança por dia, temos 365 mudanças no final do ano. E ainda incentivar que os nossos familiares diretos façam o mesmo.
Acreditam que a pandemia que vivemos terá um impacto positivo no planeta, ao nível da preocupação com a pegada ecológica por parte dos consumidores?
Até ao momento temos visto que a preocupação dos consumidores está a aumentar. Recebemos diariamente muitas mensagens a darem-nos os parabéns pela criação da marca e pelo nosso esforço de reduzir o nosso impacto no planeta. No entanto, sabemos que a partir do momento em que possamos ter uma vida “normal”, o desejo de consumo irá, muito provavelmente, aumentar, o que levará ao esquecimento de tudo o que aprendemos até agora. Infelizmente, vivemos na era do consumo desenfreado e imediato. Basta refletirmos sobre os incêndios, que se mantêm ativos em várias partes do planeta, e a exploração de recursos naturais que teve uma ligeira redução, mas que facilmente volta aos números anteriores.
Vera Maia,
CEO da Shaeco
Com um passado profissional e pessoal ligado à moda, sempre fui muito consumista a este nível. Recentemente investiguei mais sobre o desperdício e a poluição associada à indústria e, infelizmente, a moda é uma das indústrias mais poluidoras. Além de incitar ao consumo exagerado, o qual se reflete em más condições de trabalho para os seus trabalhadores em países de terceiro mundo, também influência negativamente a saúde do planeta. A Shaeco surge depois de eu ter sido mãe do Vasco, quando comecei a refletir mais sobre os produtos que utilizamos e até que ponto fazem bem à nossa saúde (desde a alimentação aos cosméticos).