De que forma a Realidade Aumentada pode apoiar a Sustentabilidade? Foi isso que fomos perceber numa entrevista à Vanessa Hipólito, que realizou uma dissertação de mestrado sobre o tema. Deixamos algumas pistas: reduzir devoluções; reduzir stocks; marcas sustentáveis que potenciam vendas com ela.
Fizeste uma dissertação de mestrado sobre realidade aumentada. Vamos começar pelo início: o que é realidade aumentada?
Apesar de ser um conceito bastante emergente e conhecido nos dias que correm, a tecnologia de realidade aumentada existe já há mais de uma década. Contudo, tem sido ao longo dos últimos anos, mais precisamente desde 2016 com o lançamento da aplicação Pokémon Go, que esta tecnologia tem vindo a ganhar importância e popularidade, não só junto dos seus utilizadores, como também das marcas e empresas.
Esta tecnologia consiste na capacidade de sobreposição de informações e objetos virtuais, gerados por um computador, sobre um ambiente físico real. É possível de ser implementada com recurso a uma câmera integrada num dispositivo móvel, como um smartphone ou um tablet, dispositivos cada vez mais comuns e indispensáveis no nosso quotidiano. Distingue-se das restantes tecnologias não só pela sua interatividade, mas essencialmente pela possibilidade de interação em tempo real.
Apesar de ser considerada uma vertente da realidade virtual, e muitas vezes confundida com a mesma, estas duas tecnologias oferecem experiências muito diferentes. Enquanto que a realidade virtual consiste numa experiência totalmente imersiva, a realidade aumentada permite ao utilizador observar em simultâneo o mundo real e virtual, oferecendo assim uma experiência muito mais ampla e abrangente.
2020 e 2021 são anos marcados pela pandemia e pelo “boom” do digital. Nota esta evolução na adoção da tecnologia de realidade aumentada por parte das marcas?
Se antes existia uma clara distinção entre os mundos online e offline, atualmente estes dois mundos parecem começar a fundir-se num só. Este fenómeno denominado por phygital, alinhado ao forte crescimento da adoção de smartphones e outros dispositivos móveis, vem despontar a importância da adoção de inovações tecnológicas, como a realidade aumentada, por parte das marcas e empresas.
Contudo, e apesar de ser uma preocupação verificada ao longo dos últimos anos, este é sem dúvida o grande momento de aposta no que diz respeito ao digital. Não só é o momento em que muitas marcas e empresas se viram obrigadas a “fechar portas” e precisam de marcar presença no digital de forma a conseguir continuar a chegar junto dos seus consumidores, como também é o momento em que o consumidor passa mais tempo em casa, está predisposto a despender mais tempo conectado a tecnologias, assim como a aprender a trabalhar e estar mais informado sobre as mesmas.
Desta forma, e com uma concorrência atual praticamente infinita no mercado digital, as marcas e empresas precisam de conseguir diferenciar-se, junto do consumidor, e acima de tudo conseguir auxiliá-lo e ajudá-lo no momento de decisão de compra, surgindo assim uma preocupação pelo desenvolvimento da melhor experiência de compra online possível. E como tudo isto é possível? Com recurso à tecnologia de realidade aumentada.
ASPORTUGUESAS, são o exemplo de uma marca portuguesa de calçado de cortiça criada por Pedro Abrantes, que desenvolveu durante o confinamento uma aplicação de realidade aumentada que permitiu aos seus clientes experimentar virtualmente os vários modelos sapatos disponíveis. Apontando a câmera de um dispositivo móvel para os pés, o cliente estava automaticamente calçado e poderia caminhar normalmente, uma vez a aplicação estava desenvolvida para acompanhar o movimento do andar, procurando aproximar o mais possível a experiência virtual da realidade.
Este é apenas um exemplo entre as muitas marcas e empresas, não só grandes como pequenas, que implementaram esta tecnologia como forma de contornar a pandemia. Desta forma, garantem assim não só o acompanhamento das tendências e evolução tecnológica, como a capacidade de criar experiências autênticas, únicas e inesquecíveis, respondendo às necessidades cada vez mais exigentes impostas pelos consumidores.
Como é que um e-commerce pode tirar partido da realidade aumentada?
Apesar das vendas online verificarem ao longo dos últimos anos um crescimento exponencial, e em especial desde o primeiro confinamento em março de 2020, são ainda bastantes as dificuldades e limitações existentes no momento de compra online por parte de muitos consumidores.
A impossibilidade do consumidor ver, tocar ou experimentar o produto é sem dúvida uma das principais, senão maior dificuldade e limitação em comprar online. Contudo, com recurso à tecnologia de realidade aumentada esta dificuldade pode ser facilmente contornada e ultrapassada.
Quando se fala de ferramenta de apoio à compra online, a realidade aumentada é sem dúvida uma das mais relevantes e mais valorizadas inovações tecnológicas.
Esta permite eliminar a barreira existente entre os mundos físico e digital, disponibilizando ao consumidor a possibilidade de experimentar virtualmente o(s) produto(s) desejado(s), quer em si mesmo, quer num espaço físico. Desta forma, esta experimentação virtual permite ao consumidor não só aumentar os níveis de confiança e satisfação no(s) produto(s) experimentado(s) e visualizado(s), como consequentemente na marca. Uma vez que é possível obter uma imagem muito próxima daquilo que será o resultado final desejado, mesmo antes de adquirir o(s) produto(s), permitirá ainda minimizar os riscos inerentes à compra online.
Desta forma, a utilização da tecnologia de realidade aumentada no e-commerce permitirá assim não só criar uma experiência de compra online única e inesquecível, como aumentar a taxa de conversão e o volume de vendas. Uma vez satisfeito com a sua experiência online, o cliente compra e volta a recomprar, quer online, quer offline.
No que à sustentabilidade diz respeito, a realidade aumentada permite a experimentação virtual de artigos, reduzindo por isso o número de devoluções. Acredita que a realidade aumentada pode contribuir para vendas mais sustentáveis? Dê-nos mais alguns exemplos?
Muitas vezes as devoluções e/ou trocas ocorrem porque, ou o consumidor compra online e não tem a possibilidade de experimentar o produto antes de este chegar a sua casa, ou o consumidor está em loja e não tem tempo, paciência ou necessita efetivamente de o levar até sua casa para o experimentar.
Em qualquer uma das situações descritas, a realidade aumentada pode ajudar a diminuir o número de devoluções e/ou trocas.
Como referi anteriormente, esta tecnologia permite ao consumidor experimentar o(s) produto(s) virtualmente e de forma mais rápida e acessível, mesmo antes de o(s) adquirir. Desta forma, no momento efetivo da compra o consumidor já está consciente do seu resultado final, minimizando assim a possibilidade de troca ou devolução futura do mesmo.
Consequentemente, e alinhado à diminuição da taxa de trocas e/ou devoluções, no que diz respeito à sustentabilidade, permitirá minimizar ou mesmo eliminar outros desperdícios inerentes a este processo.
Especificamente, permitirá reduzir a utilização de sacos ou de caixas utilizadas nas trocas e/ou devoluções de compras quer offline, quer online. Por outro lado, e ainda ao nível da sustentabilidade, permitirá em vários setores diminuir o número de protótipos necessários em loja física e consequentemente os materiais e custos relacionados com a produção dos mesmos.
Estes são apenas alguns exemplos de como a tecnologia de realidade aumentada poderá contribuir para tornar o processo de venda mais sustentável, e consequentemente, contribuir para vendas mais sustentáveis.
Que ingredientes deve ter uma experiência de realidade aumentada para ser impactante junto do consumidor?
No desenvolvimento de uma experiência de realidade aumentada é fundamental ter em consideração ingredientes-chave como o registo, isto é, o alinhamento entre os objetos ou informações virtuais e o ambiente real, a interatividade ou a acessibilidade.
O consumidor espera ter uma experiência o mais aproximada possível à realidade, com gráficos de elevada qualidade, em HD e 360, onde os objetos tenham as dimensões proporcionais ao espaço onde estão inseridos.
Adicionalmente deve existir uma elevada preocupação com a capacidade do consumidor interagir com os objetos na aplicação, conseguindo redimensioná-los, movimentá-los ou ajustá-los, em tempo real, de modo a conseguir obter o resultado final o mais próximo possível do desejado.
E por último, mas não menos importante, estas aplicações devem ser intuitivas e acessíveis, não exigindo ao consumidor muito tempo de aprendizagem para conseguir utilizar a aplicação e usufruir de toda a experiência na sua plenitude. Apesar de grande parte dos consumidores serem tecnologicamente informados, são ainda muitos os que começam agora a explorar o mundo digital, sendo fundamental conseguir alcançar todos eles independentemente do seu grau de conhecimento da tecnologia.
Uma marca pode utilizar realidade aumentada para explicar ao consumidor o seu compromisso com a sustentabilidade? Se sim, dê-nos alguns exemplos de marcas que o fizeram?
A realidade aumentada pode também também ser implementada através de QR Codes. Estes códigos são lidos, com recurso a uma câmera integrada num dispositivo móvel, que automaticamente permite ao consumidor aceder a um conjunto de informação adicional. Esta informação pode ser disponibilizada nos mais diversos formatos, como vídeos, fotografias, texto, entre outros.
Estes códigos podem, assim, ser utilizados pelas marcas e empresas nos seus produtos para fazer chegar aos seus consumidores mais informação, além da descrita no mesmo, de forma intuitiva e interativa.
Muitas marcas utilizam QR codes para divulgar campanhas de sustentabilidade e explicar o seu compromisso com a mesma. A Tetra Pack no Brasil, por exemplo, procurou através da colocação de QR Codes nas suas embalagens de leite educar o consumidor, de forma lúdica e divertida. O consumidor, através da leitura deste código conseguia posteriormente interagir com uma personagem digital que contava histórias sobre o processo correto de reciclagem das embalagens ou o processo de fabricação de novos produtos.
Desenvolver uma experiência de realidade aumentada é algo complexo? E em termos de custos?
A complexidade de desenvolvimento de uma experiência de realidade aumentada, assim como os custos inerentes ao mesmo, estão diretamente relacionadas com o objetivo final da mesma. Estes objetivos variam de acordo com, por exemplo, funcionalidades desejadas, quantidade de produtos disponibilizados ou qualidade dos gráficos e/ou imagens. Pelo que, é praticamente impossível standardizar um processo de desenvolvimento de uma experiência de realidade aumentada, pois cada caso é um caso.
Contudo, a aceitação desta tecnologia por parte dos utilizadores é bastante alta, o que garante um bom retorno quando o investimento é bem aplicado.
A longo-prazo, a aplicação de realidade aumentada permitirá às empresas que a empreguem, não só reduzir custos relacionados com a loja física, mas também aumentar o seu volume de vendas, quer online, quer offline.
A realidade aumentada pode contribuir para a criação de experiências omnichannel no retalho? Em que sentido?
Uma boa experiência omnichannel é fundamental para o sucesso de qualquer empresa. Garantir uma comunicação consistente em todos os canais de comunicação entre a marca e o consumidor permitirá aumentar não só os níveis de satisfação, como a confiança e a imagem da marca perante o seu público.
Apesar de muitas vezes a customer journey dos consumidores ser iniciada e finalizada num único canal – online ou offline –, existem múltiplas situações em que o consumidor inicia a sua jornada num canal e a finaliza noutro, pelos mais diversos motivos. Quer o consumidor inicie a sua jornada em loja e finalize online, quer o consumidor escolha o produto online e dirija-se até uma loja física para efetivar a compra, é importante garantir uma experiência consistente nos diversos contactos que existem entre o consumidor e a marca.
No retalho, a tecnologia de realidade aumentada vem permitir eliminar as barreiras existentes entre os vários canais, tanto online ou offline. Permite assim oferecer uma experiência muito idêntica online àquela que até então o consumidor só poderia usufruir em loja física, otimizando assim a experiência em qualquer canal. D
esta forma, a realidade aumentada permitirá ao consumidor, através de plataformas de e-commerce não só ter acesso a informação como visualizar virtualmente o produto, tal e qual como em loja. Adicionalmente, a tecnologia de realidade aumentada pode ainda ser utilizada em loja física, auxiliando o consumidor não na experimentação do produto, mas por exemplo, também com a disponibilização de mais informação necessária para efetivar a compra.
Vanessa Hipólito
Tem 24 anos e são os novos desafios que a alimentam diariamente. Após terminar a sua licenciatura em Gestão, no ISEG, procurou “fugir” à monotonia dos números e encontrou a sua verdadeira paixão, numa escolha que se veio a revelar numa das melhores da sua vida – especializar-se em Marketing. Decidiu assim ingressar no mestrado em Marketing, igualmente no ISEG, onde desenvolveu a sua dissertação sobre um tema até então muito pouco explorado e aprofundado – a realidade aumentada e o desenvolvimento do relacionamento consumidor-marca.
Atualmente, enquanto trainee na empresa Leroy Merlin, abraça um desafio relacionado com o conceito phygital, onde tem a oportunidade de conciliar duas das áreas pelas quais é apaixonada, Inovação e Marketing.