O consumo de produtos biológicos tem crescido, e de forma muito mais acentuada desde que começou a pandemia. Fomos conversar com a Marina Franco, autora de uma tese sobre os determinantes de compra de produtos biológicos, para perceber os motivos. Está tudo abaixo, na entrevista.
Fizeste uma dissertação de mestrado sobre os determinantes de compra de produtos biológicos. Qual a evolução no consumo de alimentos biológicos?
O consumo de alimentos biológicos caminha de mãos dadas com o crescimento do chamado mercado da alimentação saudável. Quando conclui e apresentei a minha dissertação de mestrado, no final do ano 2017, o consumo de alimentos biológicos era uma das grandes tendências do setor agroalimentar.
Hoje, em 2021, e em plena pandemia mundial, a evolução no consumo destes produtos é incontestável. Se antes os consumidores eram mais conscientes e exigentes nas suas escolhas, atualmente essa sensibilidade sobre o que se consome é imperativa e levou a que as grandes superfícies comerciais apresentassem nas suas prateleiras opções biológicas.
Neste âmbito, passámos de um consumo de nicho, muito associado a pequenos mercados e produtores locais, para um consumo considerado mais “mainstream”, com grandes marcas do retalho alimentar a investir em espaços e marcas dedicados a esta alimentação.
A pandemia veio aumentar ainda mais esta procura?
A pandemia obrigou-nos a parar e a pensar. Foram (e são) tempos de recolha em que todos, de alguma forma, tomámos ainda mais consciência das nossas escolhas e do impacto que elas têm em nós e no mundo.
Estamos a lidar diretamente com um problema de saúde que, curiosamente, teve origem no consumo alimentar. Surgiu no outro lado do mundo, mas chegou a todos nós na forma de um vírus. Se antes já pensávamos na origem do que comíamos, este vírus veio dar-nos ainda mais razões para sermos conscientes e responsáveis pelas nossas escolhas alimentares.
Adicionalmente, creio que a procura de alimentos de origem biológica, neste contexto de pandemia, também aparece muito associado à crença de que estes alimentos são mais nutritivos e saudáveis, contribuindo para o fortalecimento das defesas do sistema imunitário, podendo assim de alguma forma ajudar a proteger-nos contra o vírus.
O que leva as pessoas a comprar produtos alimentares biológicos?
Várias motivações são associadas à compra de alimentos biológicos, contudo a saúde é amplamente referida em vários estudos como sendo o principal motivo.
Associada à questão da saúde, surge também a segurança alimentar, já que o processo de produção de alimentos biológicos é considerado mais “limpo”, livre de químicos, sendo não só benéfico para a saúde dos consumidores como também para o ambiente, constituindo assim a sustentabilidade ambiental como outra das motivações.
Os consumidores também associam os alimentos biológicos a alimentos com mais sabor, por isso acaba também por ser mais um dos motivos de compra.
São depois também descritas outras motivações como o bem-estar animal. Neste âmbito os estudos indicam que a preocupação com o bem-estar animal está não só ligada a uma componente nutritiva (relacionada com a saúde dos próprios consumidores), mas também social (associada a questões de ética).
Para além disso, a produção de alimentos biológicos está intrinsecamente associada à produção local, sendo também uma das forças à compra, já que os consumidores acreditam estar a apoiar a economia e os produtores locais.
O que fala mais alto é a preocupação ambiental ou ao invés uma preocupação com a saúde?
Ambas as motivações são apontadas como fortes na decisão pela compra de alimentos biológicos. Contudo, o resultado de algumas investigações (inclusivamente da minha dissertação) aponta que são as preocupações com a saúde e bem-estar que acabam por ter mais peso.
Existem assim evidências que sugerem que o consumo de alimentos biológicos tem uma maior ligação a motivos relacionados com o bem-estar pessoal em detrimento de preocupações com a sustentabilidade ambiental, associando assim consumo de alimentos biológicos não apenas a uma vertente altruísta, mas também (e principalmente) focada no “self”.
Muitos consumidores sentem, contudo, alguma confusão e incerteza quanto aos atributos de qualidade destes produtos. Quais as principais dúvidas?
Sim, de facto o sentimento de incerteza e confusão é um dos temas na compra de alimentos biológicos. Podemos observar este ponto na discrepância que é apresentada em alguns estudos entre as atitudes e o comportamento de compra:
- apesar grande parte dos consumidores revelarem atitudes positivas perante os alimentos biológicos, depois a percentagem de consumidores que efetivamente compra é mais reduzida.
Isto é explicado através das barreiras comuns à compra de alimentos biológicos.
Uma delas, que está relacionada com esta ideia de confusão e incerteza, é o ceticismo dos consumidores quanto à certificação dos alimentos biológicos. Isto porque existe falta de conhecimento e informação sobre o processo exato pelo qual os agricultores e as superfícies comerciais passam para receber as certificações, ou os passos necessários para fazer um produto biológico. O selo de certificação biológica funciona assim como um atributo de qualidade; uma prova de que os alimentos foram produzidos de acordo com as práticas da agricultura biológica.
Estudou também percepção de valor em relação estes produtos. Em que consistiu?
No âmbito do comportamento de compra do consumidor biológico o conceito de valor tornou-se um tema central, visto que tipicamente estes consumidores não procuram apenas um produto alimentar, para satisfazer uma necessidade básica, mas sim um conjunto de valores associado ao mesmo.
Ou seja, abordando agora este tema na ótica de marketing, a ideia de valor tendo por base o chamado “trade-off” entre a qualidade e o preço, conhecida como “value-for-money” demonstrou-se insuficiente para se entender as motivações que envolvem a compra de alimentos biológicos.
Surge assim a necessidade de evocar uma abordagem multidimensional do conceito de valor, que vai para além da dimensão funcional do produto, integrando a ideia de experiência, emoções e afeções no contexto de compra. Falamos aqui de valor utilitário (racional) e hedónico (emocional).
Estes consumidores são mais racionais ou emocionais?
A perspetiva multidimensional do conceito de valor aplicado aos alimentos biológicos vem revelar que estes consumidores são racionais e emocionais no momento da compra.
A emoção está relacionada com sentimentos de prazer e experiência no consumo. Contudo, foi interessante concluir com a minha dissertação que é o lado racional que tem um maior peso.
Ou seja, a decisão pela compra de alimentos biológicos envolve sempre um julgamento e avaliação sobre qualidade dos alimentos e do seu desempenho e utilidade enquanto produtos que estão associados a uma alimentação saudável e segura.
Por esta razão, os consumidores no momento da compra vão sempre procurar por “pistas” que permitem tornar de alguma forma tangível a ideia de segurança e qualidade dos alimentos, como por exemplo, a certificação biológica.
Quais as principais conclusões do seu estudo? Há alguma conclusão que a tenha surpreendido?
O estudo que realizei no âmbito da conclusão do mestrado em Marketing no ISEG contribuiu para um melhor entendimento do comportamento de compra dos consumidores biológicos em Portugal.
Foi interessante concluir que a compra de alimentos biológicos é efetivamente mais motivada pela vertente utilitária e racional (apesar de a dimensão emocional e afetiva estar sempre presente, mas com menos peso).
Os consumidores avaliam e informam-se sobre os custos e benefícios da compra destes alimentos a longo prazo, principalmente dos benefícios na sua própria saúde e bem-estar, sendo a certificação biológica um atributo de qualidade importante que confere confiança aos consumidores.
De referir também a conclusão do meu estudo sobre o preço dos alimentos biológicos que, contrariamente a algumas investigações da área, concluiu que o preço tem uma influência positiva no valor hedónico, ou seja, afeta positivamente as emoções dos consumidores. Perante estes resultados, conclui-se que, eventualmente, o preço mais elevado dos alimentos biológicos origina sentimentos e emoções associados à ideia de status e reputação para quem os compra.
Que conselhos darias a uma marca de produtos alimentares biológicos que queira entrar no mercado? Como deve comunicar com estes clientes?
Na medida em que no mercado dos alimentos biológicos os consumidores não têm a possibilidade de verificar se a produção foi efetivamente feita de acordo com as práticas da agricultura biológica, a confiança torna-se uma questão determinante e delicada para as empresas e marcas deste setor.
É assim importante ser desenvolvida uma estratégia de marketing com uma base assente na vertente racional da compra, através da elaboração de um plano de comunicação transparente sobre a origem dos alimentos, os seus processos de produção e toda a história por detrás da marca, de uma forma educativa e informativa.
Os consumidores valorizam os atributos de qualidade destes alimentos que contribuem para o seu bem-estar, por isso diria que outro dos pilares de comunicação de uma marca que pretende entrar neste setor será ter uma estratégia de conteúdo muito focada nos benefícios destes alimentos para a saúde dos consumidores, aliando a outros atributos com a segurança alimentar, o bem estar animal e a sustentabilidade ambiental.
Adicionalmente, a vertente emocional da compra não deve ser descurada. Neste âmbito, diria que seria importante haver uma estratégia de comunicação assente no chamado “customer care”, com base na experiência dos consumidores com os produtos que a marca oferece, de forma a trabalhar toda a parte sensorial e emocional associada ao consumo dos alimentos.
Por fim, investirem na certificação biológica que é extremamente valorizada pelos consumidores e que atribuiu um selo de qualidade e confiança indiscutíveis.
Marina Franco
Desde pequenina sempre teve o sonho de ser jornalista, o que a levou a fazer uma licenciatura em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa. Já na faculdade, a descoberta do mundo da comunicação estratégica fê-la prosseguir o mestrado em marketing e trabalhar nesta área em empresas como Jerónimo Martins, L’Oréal, SMEG e atualmente na Samsung.
Paralelamente tem desenvolvido projetos como freelancer em consultoria de comunicação a ajudar pequenas empresas com sua presença no digital. Filha e neta de agricultores, cresceu em convívio com a natureza e desde sempre com enorme interesse pela área da agricultura e da sustentabilidade.